domingo, 28 de junho de 2009

Origens...


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Não quero o Pulitzer, nem o Nobel da literatura, quero atenção !


Dias desses tive de empreender viagem até Barra do Bugres, a 150 km de Cáceres, tão perto e tão longe ao mesmo tempo, para ganhar o suado e justo pão meu de cada dia.



Desembolsei, comprovadamente, R$ 31,95 (ironia, R$ 0,52 de seguro), pela passagem, inicialmente até barata, que se tornou caríssima a partir do momento em que entrei no ônibus de nº 2630 (tenho obsessão por anotar número de ônibus), e deu-se início à aventura que causaria inveja ao famoso personagem protagonizado por Harrison Ford.

O calor era infernal. Nem Dante Alighieri agüentaria o inferno que estava naquele caldeirão ambulante, barulhento e atrasado. Tentei acomodar-me naquilo que fora num passado muito, mas muito remotíssimo uma poltrona, que por sinal estava imunda, grudenta, de cor indefinida, desbotada pelo tempo, e comecei a meditar para não sentir o calor, não ouvir o burburinho das pessoas, falando quase todas ao mesmo tempo (como somos barulhentos). Umas reclamavam que a empresa havia vendido duas passagens para uma mesma poltrona (a mesma história de sempre), incrível como isso ainda acontece nos dias atuais, mesmo com toda a tecnologia, pensei. Basta clicar um botão, eis que surge na tela do computador um croqui de um ônibus, por onde dá para saber qual poltrona está vaga ou não, (observei isso, quando estava comprando minha passagem). Outras pessoas reclamavam, reclamavam e exigiam a presença do motorista, do cobrador, salvadores da pátria naquela ocasião, para resolveram a confusão.

Eu tentando ficar alheia, comecei a divagar. Refletir sobre os últimos acontecimentos, sobre a vida. E respirando lentamente, cerrei os olhos para facilitar a concentração. Não dá, pensei, Desconcentrei-me, não tinha como ficar alheia ao que acontecia a minha volta. Calor, sacolejo do ônibus por causa dos buracos na estrada. Ora poeira, ora lama. Incrível. Riquíssimos e diversificados contos, fatos, causos, ouvi. Prestei atenção (para passar o tempo, já que não dava para ler) às falas das pessoas (cacófatos, solecismos, vícios de linguagem, enfim.) Apropriei-me delas e as transcrevo ipsis litteris:


“um homi pegou a trainha dele e pediu pra descer aqui, não sabia aonde era o sítio de seu Miguel, não sei si si perdeu no mato. Si a onça não cumeu ele, ele chegou no destino dele.”
“Nois atolô aqui noutro dia”
“Tá tudo errado as coisas.”
“Dezesseis pé que prantei, nasceu tudinho, eu tandu em casa, águo todo dia, dá cepo de banana.”
“Vô descer no Sítio Córgo alegre.”
“Pára preu descer no sítio 7 resfriadu, motorista.”
“Tenho bagagi moço pra descer.”
“Os cara chamô nóis de viado.”
“Nois tem qui iscutar tudo quietu.”
“Tem alguém aqui será?”

Quando abri os olhos, arre égua, assustei-me com o número de pessoas que estavam em pé no corredor do ônibus. Primeira parada, mais pessoas entraram, e assim aconteceu durante todo o percurso. Subiam e desciam pessoas. Lembrei-me de que alguém me disse que motorista de ônibus pinga-pinga, não pode ver mato balançando com o vento, na beira da estrada, que pensa que é gente, e pára. Comecei a rir sozinha. Mais ainda, porque me lembrei que quando estava na Rodoviária, alguém bem maior do que eu, bota maior, perguntou ao rapaz do guichê, por cima da minha cabeça: “esse ônibus pra Barra vai tocar direto ou é pinga-pinga?”

Voltemos para dentro do ônibus. Havia além dos quarenta e poucos passageiros sentados, conforme o permitido, mais de vinte pessoas no corredor (entre elas idosas e crianças).


O calor aumentou, lógico, e o blá-blá também. Estou longe de ser Sidarta Gautama, para meditar neste lugar, pensei. Passei então, de olhos abertos a observar tudo e todos. Comecei a ler, interessada, os cartazes, adesivos afixados no interior do ônibus. Excelente, pensei, para se trabalhar em uma aula de português: “ Senhores motoristas – não corra, não mate, não morra.”; “ O valor das despesa (passagem, hotel e restaurante), serão parcelados em até 15 vezes.) “Maiores informação falar com...”; “3ª Romaria de Férias”, “Excursão de Férias.”

Pensei com os meus botões, e queria entender como há pessoas que se permitem viver situações como aquela. De quem é a culpa? Das pessoas, que não estão nem aí para nada, e se deixam carregar como se fossem gados? Ou culpa da Empresa? Ou dos órgãos que têm o dever de fiscalizar e não o fazem? Pois, até gado é melhor tratado. Na Índia, a vaca é animal sagrado, vai entender este mundão.


Da calmaria passei à indignação. Calor medonho, mistura horrenda de perfumes, lavandas, odores fétidos, nauseabundos. Não sou escatológica, mas em um ônibus lotadíssimo, onde pessoas estavam quase saindo pelas janelas, dá para imaginar os odores mais diversos, exóticos.

De sacolejo em sacolejo, freadas bruscas, seguíamos em frente, lentamente. Eu já estava moidinha, quebradinha que nem um grãozinho de arroz de terceira.


De repente, paramos na estrada, e alguém disse que teríamos de descer para fazermos baldeação.

Além do calor, protestos indignados, havia agora a escuridão da noite.


Descemos e no escuro, apenas os vaga-lumes e alguns clarões dos celulares iluminavam a estrada. Atravessamos o que chamavam de ponte, para do outro lado esperar sabe-se lá quanto tempo, o outro ônibus, a fim de que pudéssemos continuar o que teimosamente eu chamava de viagem.


Muitas gargalhadas, protestos ouvia-se na escuridão, à beira da estrada. E nós lá, à mercê da nossa própria sorte, esperando. Pensei em onça, cobra, sapo, lobisomem, disco voador, até queria ser abduzida.

Os topa-tudo, os nem estão aí para nada, os conformados, os passivos, os estamos aqui para qualquer coisa, os jovens universitários que iam para os Campi de Barra e de Tangará, começaram a cantar, contar piadas, rir da situação em que estávamos, e eu quietinha, pensando, olhando o céu, deslumbrada diante daquele imenso tapete negro, salpicado de estrelas que mais pareciam diamantes. Ao longe, escutavam-se trovões, relâmpagos riscavam o céu. Só falta chover, pensei.


Enfim, após longa espera chegou o outro ônibus, de ré, e retomamos o que cismo em dizer que é viagem.

Mais paradas, mais passageiros. Parecia que o ônibus iria explodir de tanta gente, parecia lata de sardinhas, panela de pressão, todos espremidos, esfregando-se uns nos outros. Calor, odor fétido, cansaço, sacolejo, peças rangendo. Pessoas em pé escorando-se nas que estavam sentadas e incomodadas.


Mais uma parada. Sobem algumas senhoras; uma delas com uma garotinha de olhar cansado, medroso, ressabiado, com enorme ovo de Páscoa em uma das mãozinhas. Agarrava com tanta força o ovo, como se fosse o bem mais precioso, talvez realmente significasse muito para ela.

Eis que chega o todo poderoso cobrador, e indaga à mãe a idade da criança. Ele não acreditou quando ouviu que a menina tinha quatro anos. Exigiu a Certidão de Nascimento, pois paga-se passagem a partir dos cinco anos. Diante da resposta da mãe, que não portava tal documento, constrangeu-a, humilhou-a, ameaçou-a dizendo que era ordem do juiz (que peso tem esta palavra para as pessoas que sentem medo de autoridades), embora o juiz não tivesse nome. Advertiu-a que seria a última vez, e que na próxima não embarcaria.

Diante da cena, mais indignada fiquei, e pensei, com que moral a Empresa por meio daquele cobrador exigia o famigerado documento da mãe, quando não poderia prestar um serviço decente, digno. Não poderia cobrar documento, valor da passagem da mãe, quando não ofereceria lugar para sentarem-se. É ilógico, incoerente.


A criança assustada, agarrava-se cada vez mais na perna da mãe, que envergonhada, após o entrevero, tentava equilibrar-se entre um sacolejo e outro. Dava tapinhas amistosos, carinhosos nas costinhas da filha, como se estivesse dizendo que tudo estava bem. Mãe é mãe.

Fechei os olhos marejados de lágrimas. Senti-me menor do que já sou, impotente diante da cena. Que país é este?


Recordei-me, oportunamente dos integrantes do Estradeiro, quando há mais ou menos três anos, se aventuraram em seus ostentosos e confortáveis carros, brincando de conhecer a realidade do nosso Estado, eu os desafiaria a viajar num ônibus que saiu da Rodoviária (?), não sei se se pode chamar aquele depósito fétido no centro de Cáceres de Rodoviária, às 16h30, e que chegou ao seu destino, Barra do Bugres, às 23h30. A propósito, qual é o destino da taxa de embarque paga por cada passageiro, cujo valor é de R$ 1,75?

Desafiaria as autoridades políticas federais, estaduais, municipais, populistas, que dizem ser amigas do povo, proprietário(s) da empresa, a viverem essas cenas sem indignarem-se, em uma estrada que já foi asfaltada oficialmente.


Em nome daquela menininha de olhar cansado, assustado, e que me fez chorar, resolvi escrever e compartilhar minha experiência, pois há pessoas que sabem se defender, outras não, estão entregues à sorte miserável, se der azar na sorte, se dão bem. Deus proverá tudo, dizem os resignados. Só pelo poder divino, pois está cada vez mais difícil confiar em quem tem o poder (que aliás é passageiro, dura 2, 4 ou 8 anos, mas passa) nas mãos para mudar algo em nossa realidade e nada faz.


Orion, o labrador lá de casa, é mais confiável, mesmo quando ameaça com seus quase 60 quilos, pular para cima de mim. E mesmo assim, não sinto medo.
Não quero ser Diogo Manardi, mas tudo ao meu redor conspira para isso, serei ovacionada por uns e execrada por outros. O que fazer?! Segundo o filósofo Bambam, faz paaaaarte. Decidi enterrar meu título de eleitor. O ano que vem está próximo.

Margareth Krause
Cidadã brasileira!

* Essa estrada Cáceres-Barra do Bugres fora asfaltada 3 vezes, no papel. Era a estrada que meu pai pegava para trabalhar, antes dele ficar mais doente. E é ainda a estrada que a minha mãe segue quase toda segunda-feira com olhos cheios de lágrimas. Não, a minha mãe não é fresca. É que tudo faz parte de uma luta antiga e uma política podre que se instalou. Desde que meu pai ficou doente, minha mãe não foi mais para lá, mas não conseguiu a transferência que lhe era de direito, por uma simples perseguição política. E se não fosse trágico, seria hilário, meu pai morreu. Eu, não faço parte dessa hipócrita instituição, apesar de ser "filha", e posso dizer que se tratava de perseguição política, e tudo por um mal entendido misturado com aquela ganância política, que vemos todos os dias na televisão. Mas o que me consola é que um dia impérios construídos em bases fracas, caem. Mas eu não estou mais preocupada com impérios alheios. Estamos na luta para conquistar sim outros lugares. Como eu disse em post anterior, mesmo de cabeça baixa, um dia vamos cobrar com juros. E finalmente a estrada está sendo asfaltada...


* *Outro dia estava conversando na aula de inglês se criatividade viria da família. Apesar de conhecer casos que não, devo o gosto musical, literário, o pensamento de aspecto revolucionário, aos meus pais. É claro, ainda não estou lá, mas chego. Sempre gostei de poesias, mas ultimamente me interesso pela prosa, então estou a aventurar para aprender e colocar no papel algumas idéias. E com a semana corrida que estou tendo, ainda não consegui escrever sobre o que eu queria. E claro com aquela tristeza e raiva contida contribuiu para a falta de inspiração. (Eu estou mais calma! :D) Espero que tenham gostado do texto acima, é de Mamita!
E no mais, eu estou melhorando no Español, e no Eglish! Y trabajando mucho! O Jusé está meio estresado com os trabalhos de escola, principalmente uma animação que ele vem fazendo sobre Antonio Conselheiro, que vou postar aqui para vocês assistirem!! Essa semana vamos nos dar folga assim que julho chegar. Só fica a saudade de Papai...



*** Eu prometo que trago as poesias de Papis...

5 comentários:

Priscilla Castro disse...

Gostei da sua aventura!!
Nossa que viagem hein.
E de tudo só ficaram saudades né??


Bjo

Unknown disse...

Indignação é minha maior companheira, e deixa-me alerta para os desafios da vida. Como "acreditar na rapaziada" Gonzaguinha, se ao contrário de impedir humilhações, cantam para passar o sofrer? Se ao invés de brigar, silenciam ante o alvorecer?
Ando cansado, esgotado, ante as perplexidade dos que tudo aparentam bem estar, em que todos atestam "a aparência de tudo bem estar", quando na realidade a estrada de seus caminhos são podres, sujas, mafiosas, indignas.
Ando muito cansado e stressado, choro as ausências presentes em mim cotidianamente, choro as injustiças sem fim, mas não tenho conseguido mais gritar!
Saudades de você Margaretinha, Nayara e Erick (meu povo!!!)

Cínthia Stéffane disse...

Afff...
Engraçado é que estava eu lendo e pensando... Nossa, este texto da Nay está parecidíssimo com um que a "Baixinha" escreveu...
rsrs...

Ricardo disse...

Andar de Ônibus é indie.

Doroni Hilgenberg disse...

Morena

Nossa como entendo a sua indignação.
Já fiz uma viagem dessas e olhe que a viagem que era para levar 3 horas durou 6, e tome calor insuportáve e mau cheiro. Entrava até gente carregando galinhas e tome mal estar. Não que a gente seja cheia de frescura,mas vá lá...
E também já fui para Margarita ( Venezuela) havia ( há ainda) tantos buracos que não sei como não aconteceu uma catástrofe. Cheguei ao destino moida.
Justamente agora esta havendo uma polêmica sobre a reconstrução da estrada( tão necessária) e tome verbas que serão descviadas outra vez.
Gostaria que você lesse IGNORÂNCIA
que se encontra em meu Blog:
http://doroni.blogspot.com/

Voltarei
bjs