domingo, 22 de junho de 2008

Assim como o preço do feijão...

- O preço do Direito não cabe no poema -


Seu José, não muito diferente de outros Josés, filho de Dona Maria, vá se saber se filho era de algum finado Zacarias, morador da Rua Quintino Bocaiúva, número zero, na Vila Paraíso, próxima à cidade Porto Esperança. Esta não muito pequena, e não muito grande, tinha o tamanho ideal para ter uma dúzia de farmácias na mesma proporção de botecos, um hospital digno de uma população miserável brasileira. Quanto à justiça, até bem estruturada, uma casinha que ninguém sabia se fora pintada daquela cor meio suja, ou cor de terra vermelha, ou se fora pintada de branca e depois de tantos anos ficara encardida.
Depois dessa descrição que explica mais ou menos onde morava o Seu José, é importante contar a história deste cidadão, com aquela “inocência pisada” de identidade desconhecida, e como milhares há neste país.
A casa do Seu José era bem pequena, mas tinha até um bom terreno para cuidar de sua vaquinha leiteira Iracema, um pé de laranjeira, e outro pé de acerola, cuja produção ínfima, participava da feririnha aos domingos em Porto Esperança.
A venda do leite e das frutas era o sustento de Seu José, já que a Assistência ou Previdência Social era coisa totalmente desconhecida às pessoas daquela região.
Sua vaquinha era a sua paixão, cuidava daquela como se fosse gente, até que um dia, falava-se na região de uma doença que estava atacando os bovinos e por isso todos os animais que contraíram doenças tinham de ser sacrificados.
Os fazendeiros, donos de suas grandes terras, contrataram pessoas para matarem os animais doentes, na tentativa de proteger suas criações e atribuindo culpa aos pequenos proprietários e criadores, como Seu José a existência de tal doença. Foi quando um desses jagunços foi até a casa de Seu José matar Iracema, que não tinha a doença. Todavia no auge da discussão, e o pobre homem tentando impedir que matassem seu único sustento, atiraram na vaquinha, vindo esta a morrer em agonia.
Seu José chorou por um dia inteiro a morte de sua Iracema, pensando em como iria se sustentar. E agora José?
No outro dia, conversando com os amigos da feira, que o convenceram de ir atrás de seu direito, em busca de justiça. E lá foi José até a casinha encardida buscar a solução do seu problema. Encheu-se de coragem e de esperança, não de reaver sua vaquinha, pois disso sabia, mas de ter seu direito, e quem sabe, conseguir outra vaquinha.
Mas o negócio não é tão fácil não, chegando onde teria seu direito, conforme disseram seus amigos, assustou-se com tal situação. Era um falatório só, blá, blá, daqui, blá, blá, dali, gente ia, gente voltava; uma coisa ele percebera, ali todos estavam em busca de um tal direito.
Em falatório com o “doutô” advogado, homem sabedor da lei, de fala mansa e difícil para Seu José entender; tinha hora que o “doutô” falava, parecia outra língua saiu do jeito que entrou, perdido sem saber, sem entender nada.
Palavras esquisipáticas, o “doutô” usou: “petição”, “jurisdição”, “dano qualificado”, “propriedade”, “onus probandi incumbi ei qui agite” etc.
Seu José chegou até pensar que o “doutô” estava rezando missa, pois usava um palavrório que nem o vigário, e concordou com o poeta que tinha no seu caminho uma pedra. Voltou a si quando ouviu o valor a ser pago pelos serviços do advogado, e o tempo que demoraria a ter seu direito atendido e desistiu com aquele sentimento conformado de que não havia mais nada a se fazer.
Pensou por um momento em bater à casa do fazendeiro que havia mandado matar sua Iracema, e pedir que reparasse o dano causado, ou seja, fazer justiça com as próprias mãos, como era de costume lá pelas aquelas bandas, mas não o fez.
E andando embriagado por aquela tristeza, sentindo como se a rua o mastigasse com suas mandíbulas de asfalto, atravessando a rua com aquele passo tímido, tropeçou como se fosse um bêbado, morrendo na contramão atrapalhando o tráfego. E não sendo apenas por ironia do destino o carro que lhe atropelara era o do fazendeiro que mandara matar Iracema.
É, o preço do direito não cabe no poema, Seu doutô, pois não há vagas.

*Espero que gostem...
Um vídeo clipe de produção minha e do meu irmão... e que apresentarei na faculdade... um joguinho de intertextualidade com aquela beleza triste...

7 comentários:

Marco disse...

Oi morena, adorei a narrativa... parece até moda de viola... triste, que conta a vida de gente esquecida na vastidão do Brasil, onde o pó da terra consome a paisagem. Gostei muito, só não gostei do fim de seu José e de tantos outros Josés iguais a ele...

Anônimo disse...

Menina!
adorei!
Fiquei acompanhando vc falando e eu lendo (não assisti o vídeo todo, só ouvi e li).
Profundo, sabia?
e nos faz pensar um pouco em quanto diferença existe e até pertinho d´a gente e nem nos damos o trabalho de perceber.
=/

vc faz facul de que?

;***

Marco disse...

Posso te linkar lá no meu blog? Bem, na verdade eu já linkei:) Bjo!

nay disse...

Bem, Candy, faço faculdade de direito... meio torto as vezes... rs.. mas minha relação com o curso é de amor e ódio... rs...

Nossa, Marco, será uma honra para mim!
É, quanto ao José... e muitos Josés... assim como muitos severinos.. rs.. teve um triste fim... talvez seja por essa paixão a Clarice, na história de Macabéa... não que eu goste dos finais tristes... mas é que estes acontecem todos os dias.. uma forma de trazer determinadas pessoas a realidade...

Obrigada a vocês pela visita!
Beijos

NayB. disse...

Menina, esse texto está muito bom. Só é triste saber que retrata a mais pura realidade de tantos Zé's no Brasil...

Xerus
=***

Anônimo disse...

Único comentário:

Eu li primeiro!!! Antes mesmo de ir pro blog!! Ica-bililica!!!

(Apesar de te conhcer bem, não sei qual expressão vc acaba de usar ao ler meu comentário, mas arrisco q tenha sido um "Chatiiinha" ou talvez um "Apareciiida"... rs)

nay disse...

hahahaha... é essa necessidade de extrema atenção... né... hahahaha.. acho que o cidinha você ganhou... rs... mas como você mesmo disse outro dia... é muito bom ter alguem em quem contar tratando-se de escrever...
beijos