terça-feira, 15 de abril de 2008


"(...) - Pare! Mas o que é isso?! - exclamou Albert, abaixando a pistola.
- Não está carregada - respondi-lhe.
- E, mesmo assim, que é que significa isso? - replicou ele impaciente
- Não posso imaginar como um homem possa ser tão insensato para se dar um tiro. Só em pensar nisso sinto repulsa.
- Porque vocês, homens - gritei - não podem falar de uma coisa sem logo declarar: "Isso é insensato, aquilo é razoável, aquele outro é bom, isso aí é mau"? De que servem todas essas palavras ocultas de uma ação? Sabem com rigorosa certeza as causas que a produzem, que a tornaram inevitável? Se assim fosse, não enunciariam com tanta rapidez os seus julgamentos.
Disse Albert:
- Você há de concordar comigo, que certas ações são sempre criminosas, qualquer que seja a razão.
Encolhi os ombros e acrescentei:
- Porém, meu amigo, também nesse ponto há exceções. É verdade que o roubo é um crime; mas o homem que se torna ladrão para salvar-se e salvar os seus da fome merece compaixão, ou o castigo? Quem atirará a primeira pedra no esposo que, numa explosão de cólera justa, mata a esposa infiel e o infame sedutor? Ou na jovem que num momento de vertigem, se abandona à ebriedade irresistível do amor? Nossos próprios juízes, esses pedantes de coração gelado, deixam-se comover e seriam capazes de suspender o julgamento.
- Mas esse caso é muito diferente - tornou Albert - pois, o homem arrebatado por suas paixões perde a capacidade de refletir e deve ser considerado um bêbado, ou um louco.
- Oh! Essas pessoas sensatas! - exclamei sorrindo - Paixão! Embriaguez! Loucura! E vocês se conservam tão calmos, tão indiferentes, vocês, os homens da moral! Esmurram o bêbado, repelem o louco, e passam adiante, como o padre, como o fariseu que agradece a Deus por o não ter feito igual aos outros! Embriaguei-me por mais de uma vez, e as minhas paixões estiveram sempre à beira da loucura, e disso não me arrependo, porque só assim cheguei a compreender, numa certa medida, a razão por que, em todos os tempos, sempre foram tratados como bêbados e como loucos os homens extraordinários que realizaram grandes coisas - as que pareciam impossíveis... Mas, ainda na vida comum, nada mais insuportável do que a todo momento ouvir gritar, sempre que um homem pratica uma ação intrépida, nobre e grandiosa: "Esse homem está bêbado! É um louco!..." Que vergonha, vocês que vivem sóbrios! Que vergonha, homens sensatos!
- Você e suas quimeras! - disse Albert - Você exagera tudo! Desta vez você está completamente errado quando compara o suicídio, que é um assunto em foco, com as grandes ações, pois não se pode considerá-lo senão como uma fraqueza. Sem dúvida, é muito mais fácil morrer do que suportar uma vida de tormentos.
(...) - Chama a isso de fraqueza? Peço-lhe que não se deixe levar pelas aparências! Você pode achar que um povo, que vive sob o jugo insuportável de um tirano, é fraco quando se levanta e rompe os seus grilhões? O homem que, assustado diante da sua casa incendiada, apela para todas as suas forças e transporta facilmente cargas que, em seu estado normal, mal poderia empurrar; ou um outro que, no auge do furor que lhe cause uma ofensa, se defronta com seis adversários e vence-os, você dirá que são fracos? Muito bem, meu amigo, se um esforço considerável é uma prova de força, por que um esforço alucinado seria o contrário? (...)
- Os sofrimentos do Jovem Werther -
- Goethe -



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